Paulo Freire, o mentor da educação para a consciência.
O mais célebre educador brasileiro, autor da pedagogia do oprimido, defendia como objetivo da escola ensinar o aluno a "ler o mundo" para poder transformá-lo.
Biografia
Paulo Freire nasceu em 1921 em Recife, numa família de classe média. Com
o agravamento da crise econômica mundial iniciada em 1929 e a morte de
seu pai, quando tinha 13 anos, Freire passou a enfrentar dificuldades
econômicas. Formou-se em direito, mas não seguiu carreira, encaminhando a
vida profissional para o magistério. Suas idéias pedagógicas se
formaram da observação da cultura dos alunos - em particular o uso da
linguagem - e do papel elitista da escola. Em 1963, em Angicos (RN),
chefiou um programa que alfabetizou 300 pessoas em um mês. No ano
seguinte, o golpe militar o surpreendeu em Brasília, onde coordenava o
Plano Nacional de Alfabetização do presidente João Goulart. Freire
passou 70 dias na prisão antes de se exilar. Em 1968, no Chile, escreveu
seu livro mais conhecido, Pedagogia do Oprimido. Também deu aulas nos
Estados Unidos e na Suíça e organizou planos de alfabetização em países
africanos. Com a anistia, em 1979, voltou ao Brasil, integrando-se à
vida universitária. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e, entre 1989
e 1991, foi secretário municipal de Educação de São Paulo. Freire foi
casado duas vezes e teve cinco filhos. Foi nomeado doutor honoris causa
de 28 universidades em vários países e teve obras traduzidas em mais de
20 idiomas. Morreu em 1997, de enfarte.
Foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento
internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de
adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico
assumidamente político. Para Freire, o objetivo maior da educação é
conscientizar o aluno. Isso significa, em relação às parcelas
desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de
oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro de
Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele
contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.
Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos, Freire condenava o ensino
oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as "escolas
burguesas"), que ele qualificou de educação bancária. Nela, segundo
Freire, o professor age como quem deposita conhecimento num aluno apenas
receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é visto como uma doação
dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de uma escola
alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para
despertar a consciência dos oprimidos. "Sua tônica fundamentalmente
reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a
criatividade", escreveu o educador. Ele dizia que, enquanto a escola
conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação
que defendia tinha a intenção de inquietá-los.
Tempos de mobilização e conflito
Aula em Angicos, em 1963: 300 pessoas alfabetizadas pelo método Paulo Freire em um mês.Foto: acervo fotográfico dos arquivos Paulo Freire do Instituto Paulo Freire
O ambiente político-cultural em que Paulo Freire elaborou suas idéias e começou a experimentá-las na prática foi o mesmo que formou outros intelectuais de primeira linha, como o economista Celso Furtado e o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997). Todos eles despertaram intelectualmente para o Brasil no período iniciado pela revolução de 1930 e terminado com o golpe militar de 1964. A primeira data marca a retirada de cena da oligarquia cafeeira e a segunda, uma reação de força às contradições criadas por conflitos de interesses entre grandes grupos da sociedade. Durante esse intervalo de três décadas ocorreu uma mobilização inédita dos chamados setores populares, com o apoio engajado da maior parte da intelectualidade brasileira. Especialmente importante nesse processo foi a ação de grupos da Igreja Católica, uma inspiração que já marcara Freire desde casa (por influência da mãe). O Plano Nacional de Alfabetização do governo João Goulart, assumido pelo educador, se inseria no projeto populista do presidente e encontrava no Nordeste - onde metade da população de 30 milhões era analfabeta - um cenário de organização social crescente, exemplificado pela atuação das Ligas Camponesas em favor da reforma agrária. No exílio e, depois, de volta ao Brasil, Freire faria uma reflexão crítica sobre o período, tentando incorporá-la a sua teoria pedagógica.
Seres inacabados
O método Paulo Freire não visa apenas tornar mais rápido e acessível o
aprendizado, mas pretende habilitar o aluno a "ler o mundo", na
expressão famosa do educador. "Trata-se de aprender a ler a realidade
(conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade
(transformá-la)", dizia Freire. A alfabetização é, para o educador, um
modo de os desfavorecidos romperem o que chamou de "cultura do silêncio"
e transformar a realidade, "como sujeitos da própria história".
No conjunto do pensamento de Paulo Freire encontra-se a idéia de que
tudo está em permanente transformação e interação. Por isso, não há
futuro a priori, como ele gostava de repetir no fim da vida, como
crítica aos intelectuais de esquerda que consideravam a emancipação das
classes desfavorecidas como uma inevitabilidade histórica. Esse ponto de
vista implica a concepção do ser humano como "histórico e inacabado" e
conseqüentemente sempre pronto a aprender. No caso particular dos
professores, isso se reflete na necessidade de formação rigorosa e
permanente. Freire dizia, numa frase famosa, que "o mundo não é, o mundo
está sendo".
Três etapas rumo à conscientização
Embora o trabalho
de alfabetização de adultos desenvolvido por Paulo Freire tenha passado
para a história como um "método", a palavra não é a mais adequada para
definir o trabalho do educador, cuja obra se caracteriza mais por uma
reflexão sobre o significado da educação. "Toda a obra de Paulo Freire é
uma concepção de educação embutida numa concepção de mundo", diz José Eustáquio Romão. Mesmo assim, distinguem-se na teoria do educador
pernambucano três momentos claros de aprendizagem. O primeiro é aquele
em que o educador se inteira daquilo que o aluno conhece, não apenas
para poder avançar no ensino de conteúdos mas principalmente para trazer
a cultura do educando para dentro da sala de aula. O segundo momento é o
de exploração das questões relativas aos temas em discussão - o que
permite que o aluno construa o caminho do senso comum para uma visão
crítica da realidade. Finalmente, volta-se do abstrato para o concreto,
na chamada etapa de problematização: o conteúdo em questão apresenta-se
"dissecado", o que deve sugerir ações para superar impasses. Para Paulo
Freire, esse procedimento serve ao objetivo final do ensino, que é a
conscientização do aluno.
Aprendizado conjunto
Freire criticava a idéia de que ensinar é transmitir saber porque para
ele a missão do professor era possibilitar a criação ou a produção de
conhecimentos. Mas ele não comungava da concepção de que o aluno precisa
apenas de que lhe sejam facilitadas as condições para o
auto-aprendizado. Freire previa para o professor um papel diretivo e
informativo - portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade.
Segundo o pensador pernambucano, o profissional de educação deve levar
os alunos a conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire
dizia que ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não
aprendem sozinhas. "Os homens se educam entre si mediados pelo mundo",
escreveu. Isso implica um princípio fundamental para Freire: o de que o
aluno, alfabetizado ou não, chega à escola levando uma cultura que não é
melhor nem pior do que a do professor. Em sala de aula, os dois lados
aprenderão juntos, um com o outro - e para isso é necessário que as
relações sejam afetivas e democráticas, garantindo a todos a
possibilidade de se expressar. "Uma das grandes inovações da pedagogia
freireana é considerar que o sujeito da criação cultural não é
individual, mas coletivo", diz José Eustáquio Romão, diretor do
Instituto Paulo Freire, em São Paulo.
A valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos. Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-chave do vocabulário dos alunos - as chamadas palavras geradoras. Elas devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os integrantes da comunidade em que se atua, como por exemplo "tijolo" para os operários da construção civil.
Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. "Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas lingüísticas do idioma materno", diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.
A valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e está no âmago de seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o ensino de adultos. Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação das palavras-chave do vocabulário dos alunos - as chamadas palavras geradoras. Elas devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os integrantes da comunidade em que se atua, como por exemplo "tijolo" para os operários da construção civil.
Diante dos alunos, o professor mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. "Isso faz com que a pessoa incorpore as estruturas lingüísticas do idioma materno", diz Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de alfabetização em diversos países do mundo.
Para pensar
Um conceito a que Paulo Freire deu a máxima importância, e que nem
sempre é abordado pelos teóricos, é o de coerência. Para ele, não é
possível adotar diretrizes pedagógicas de modo conseqüente sem que elas
orientem a prática, até em seus aspectos mais corriqueiros. "As
qualidades e virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos
para diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos", escreveu o
educador. "Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à
dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com
minha arrogância?" Você, professor, tem a preocupação de agir na escola
de acordo com os princípios em que acredita? E costuma analisar as
próprias atitudes sob esse ponto de vista?
Quer saber mais?
Convite à Leitura de Paulo Freire, Moacir Gadotti, 176 págs., Ed. Scipione, tel. 0800-161-700, 41,90 reais
Pedagogia da Esperança - Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire, 254 págs., Ed. Paz e Terra, tel. (11) 3337-8399, 40,50 reais
Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire, 218 págs., Ed. Paz e Terra, 35 reais
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INTERNET
No site, você encontra informações sobre Paulo Freire e escritos de e sobre o educador, além de notícias de eventos e atividades relacionadas a ele
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http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mentor-educacao-consciencia-423220.shtml?page=3
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