Especialistas alertam: adquirir equipamentos de ponta é muito mais
fácil do que efetivamente se apropriar das novas possibilidades de
construção do conhecimento
Dadas as dimensões continentais de nosso país, a tecnologia tem um
papel fundamental na articulação de municípios longínquos, na troca de
experiências e na construção de saberes que podem ser ministrados a
distância. Para Fernando Almeida, ex-secretário municipal de Educação de
São Paulo e responsável pela logística dos módulos não presenciais da
Escola de Gestores, um programa do Ministério da Educação (MEC), a
tecnologia é também uma forte aliada do diretor no cotidiano escolar:
"Ela possibilita disponibilizar um grande número de dados com
transparência, prestar contas, controlar as notas de alunos e a presença
dos professores e permite que qualquer outra informação seja colocada
em rede aberta." O domínio da internet e de programas de edição de
texto, de apresentação de dados e de tabulações é parte importante dos
cursos de reciclagem de diretores oferecidos no país.
Projeto Um Computador para Cada Aluno, em Porto Alegre: o que importa não é melhorar o ensino, mas a aprendizagem
Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, doutora em Educação e
coordenadora do programa de Gestão Escolar e Tecnologias, desenvolvido
pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, afirma que as
escolas não exploram todo o potencial que a tecnologia oferece. "É nesse
contexto que surge a importância da formação não só para o professor
mas também para os funcionários, para que a tecnologia não seja
utilizada só em sala de aula, mas faça parte do coletivo."
Na prática, a especialista explica que é preciso que o educador atribua
sentido aos equipamentos em seu trabalho. É só a partir do momento em
que incorporamos as novas mídias que valorizamos seu uso (leia mais no
quadro abaixo). "Temos hoje boas bases informatizadas que foram criadas
pelas próprias Secretarias de Educação com o intuito de facilitar o
acompanhamento de dados escolares, como desempenho de alunos, índices de
aprovação e evasão. No entanto, de nada adianta o diretor alimentar
essas bases se, quando alguém solicita alguma informação, ele acha mais
fácil procurar num papelzinho."
Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Experiências Cognitivas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é uma das pioneiras
na pesquisa sobre a aplicação da tecnologia na Educação no Brasil. Há
mais de 20 anos, ela desenvolve projetos na área, como o programa Um
Computador por Aluno, que consiste no uso de um laptop educativo por
estudante matriculado em escola pública, além de seus educadores.
Segundo ela, o problema é que os computadores, a programação deles, os
sistemas digitais e suas possibilidades são pensados pela escola e pelos
educadores para melhorar o ensino e não para melhorar a aprendizagem,
ou seja: para conservar, não para transformar a escola. "Primeiro,
tivemos os CAIs (sigla em inglês para Instrução Apoiada no Computador),
depois os softwares educacionais, a seguir os CD-ROMs, os tutores
inteligentes e, a grande novidade, os objetos de aprendizagem. Mas essas
novas tecnologias de informação e comunicação não trazem problemas para
os cidadãos e para a sociedade? Não estão a requerer mudanças de
atitudes, desenvolvimento de novas competências e a vivência de valores
éticos e morais?", questiona Léa. "Os alunos e professores precisam se
apropriar da tecnologia tanto no que se refere ao uso do computador e da
internet como de outras ferramentas de comunicação e informação",
enfatiza.
Comunidade e conectividade
- Ninguém pode ficar de fora da inclusão digital na escola. A função do gestor e do professor é envolver todos nesse processo.
- Produza um site como um espaço de diálogo de toda a comunidade
escolar. Divulgue nele as reuniões e os eventos para atrair a atenção
dos pais e, com essa interação, promova debates sobre temas ligados à
escola.
- Desenvolva as etapas passo a passo nesse tipo de projeto, fazendo o
planejamento e compartilhando o registro com a comunidade escolar. É
muito importante garantir a noção de coletividade.
- Permita que os pais acompanhem a vida escolar dos alunos, crie grupos
de aprendizagem e ofereça a formação continuada aos professores - tudo
via internet. Como os encontros presenciais são cada vez mais difíceis
hoje em dia por causa da falta de tempo, aproveite a tecnologia para
promover essas reuniões virtuais.
O uso de diferentes linguagens de mídia na escola pode ser um caminho
para promover mudanças de atitudes e de metodologias de trabalho. "O
professor se especializar para melhorar sua didática é insuficiente
hoje, pois, como já dizia Paulo Freire, se ele tem uma prática bancária,
autoritária, provavelmente vai usar as novas mídias para reafirmá-la",
diz Ismar de Oliveira Soares, coordenador do Núcleo de Comunicação e
Educação da Universidade de São Paulo (NCE-USP).
Por isso, é importante que a capacitação dos educadores e gestores para o
uso da mídia se dê em conjunto com a comunidade escolar. Para Ismar,
"não é com base na tecnologia que nasce o aprendizado, mas com uma
gestão participativa do processo".
No ano passado, o MEC deu início a um curso de formação chamado Mídias
na Educação - mais de 15 mil professores participam da primeira fase. O
programa trabalha com as quatro linguagens - mídias impressa, digital,
audiovisual e radiofônica. Há também um módulo de gestão. O NCE-USP é
uma das instituições parceiras do ministério nesse curso. "O objetivo é
fazer os educadores refletirem sobre como podem usar a tecnologia para
ensinar melhor", explica Ismar.
Ismar Soares, coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da USP
O especialista dá dicas de como é possível fazer essa apropriação.
Ele cita algumas escolas municipais de São Paulo que participaram do
projeto Educom.radio, desenvolvido pelo NCE-USP entre 2000 e 2004, e
fizeram uso do rádio como uma ferramenta de gestão. Para atrair os pais,
em vez de enviar comunicados por escrito, dirigentes e professores
motivaram os alunos a produzir programas de rádio com temas de interesse
da comunidade e a divulgação de eventos e reuniões. "Com isso, além de
os alunos se sentirem parte do processo, os pais passaram a comparecer
aos encontros e a participar mais, pois se empolgavam ao ouvir o
programa feito pelos filhos - que eram levados para casa em fita
cassete. Após essa experiência, as escolas descobriram que muitos pais
eram analfabetos e, por isso, não atendiam ao que era pedido nos
bilhetes", lembra Ismar.
"Se o professor tem uma prática autoritária, provavelmente vai usar as novas mídias para reafirmá-la."
Para motivar a mudança de atitude dos educadores em relação ao uso
da tecnologia, o MEC criou uma nova plataforma de interação: o Portal do
Professor (saiba mais sobre o projeto no quadro ao lado). "Nós
observamos que levar a chamada cultura da informática para as escolas
não é suficiente. O maior trabalho é a instalação dessa cultura", avalia
o secretário de Educação a Distância do MEC, Carlos Eduardo
Bielschowsky.
Quando Maomé vai à montanha
Pioneirismo: a
tecnologia foi fundamental para desenvolver a capacidade de comunicação
de alunos surdos na EEF Helen Keller, na cidade gaúcha de Caxias do Sul
A EEF Helen Keller, de Caxias do Sul, a 100 quilômetros de Porto
Alegre, é um exemplo de pioneirismo na aplicação da tecnologia em seus
processos de ensino e aprendizagem. Ali estudam cerca de 180 crianças
surdas. Em meados da década de 1990, quando ainda não se falava em
internet, a professora Mônica Duso de Oliveira participou da implantação
de um programa de novas mídias - com o apoio de educadores da UFRGS.
"Instalamos uma antena de radioamador que permitia a esses estudantes
surdos trocar mensagens em tempo real usando computadores", fala.
Inovadora, essa prática logo gerou resultados. "A alfabetização em
língua portuguesa é uma grande dificuldade para o surdo, mas, ao trocar
mensagens, eles aprimoraram a escrita de forma eficiente", diz Mônica.
Ela ressalta que todos os alunos daquela época atualmente estudam em
universidades e escrevem com perfeição.
Carilissa Dall´Alba, 23 anos, fez parte desse grupo. Entrevistada via
e-mail, ela mostrou facilidade na comunicação escrita e diz guardar
muitas boas lembranças da escola. "Eu tinha uns 10 anos. Lembro que
estava na frente de um computador bem velho, a tela era preta, e as
letras, amarelas. Com o bate-papo, eu consegui me comunicar pela
primeira vez com os surdos de outra cidade. Fiquei muito feliz."
Para Carilissa, a comunicação foi fundamental para desenvolver a
escrita: "A comunidade surda é pequena. Para mim, todo deficiente
auditivo deveria saber usar a internet e poder conhecer os surdos de
outros lugares. Isso é muito importante". Atualmente, ela freqüenta dois
cursos universitários: Letras e Psicopedagogia.
Sites de relacionamento também se tornaram aliados dos professores da
escola gaúcha. "Comecei a dar aulas no ano passado na Helen Keller e no
início senti dificuldades em me aproximar dos alunos. Naquele momento,
tive a idéia de adicioná-los no orkut para trocar mensagens. Isso
fortaleceu nossos vínculos e, desde então, estimulo essa comunicação. É
incrível ver como eles aprimoram a escrita", constata a professora
Izabel Cristina Lopes. Em suas aulas de Matemática, a internet também é
parceira: "Os jovens resolvem exercícios virtuais".
E quando a montanha vai a Maomé
Trabalho colaborativo: educadores da EEEF Luciana de Abreu, na capital gaúcha, usam a tecnologia para melhorar o ensino e a aprendizagem
Não tão distante de Caxias do Sul, na EEEF Luciana de Abreu, na
capital gaúcha, a aplicação da tecnologia é um desafio que surgiu
recentemente graças ao projeto Um Computador por Aluno. Iron Rodrigues
Otaña, que dirige a instituição desde 1983, conta que a escola nem tinha
sala de informática: "Fomos escolhidos por causa da base pequena de
alunos, 400 de Ensino Fundamental, o que garantia que o número de
computadores seria suficiente para todos os estudante e professores". Na
prática, Iron reconhece que tanto os gestores como os professores
aprenderam muito com as máquinas. "O bacana é ver a gurizada fazendo
seus projetos e participando mais da aula por causa da tecnologia.
Confesso que esse não é um processo fácil. Alguns professores foram
resistentes, mas posso garantir que vale muito a pena." .
A professora de Língua Portuguesa Janina Antonioli Pires, 24 anos,
destaca que não basta garantir os equipamentos para melhorar a
aprendizagem. "Trabalhar numa sala onde os alunos têm laptops em mãos
nos faz ter uma maneira nova de pensar o mundo. A internet é uma
ferramenta sem limites. É preciso trabalhar com projetos, incentivar o
jovem a ser autor dos trabalhos, pesquisar, buscar conteúdos", explica.
Gestão compartilhada
Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Experiências Cognitivas da UFRGS
As plataformas digitais também podem ir além da sala de aula e servir
de espaço de comunicação entre a comunidade escolar. A prefeitura de
São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, lançou no início do ano o
portal
www.educacao.saobernardo.sp.gov.br,
que permite aos educadores, alunos e pais acesso a todos os indicadores
da rede - inclusive ao planejamento pedagógico. "A interatividade
virtual é baseada em comentários livres, que podem ser feitos no portal e
são dirigidos diretamente à unidade escolar. Internamente, há um fórum
de discussões disponível para todos os funcionários, em que os
educadores trocam informações", explica a chefe da Divisão de Ensino
Fundamental e Infantil da Secretaria de Educação e Cultura da cidade,
Kathia Maria de Carvalho Diniz.
"Alunos e professores precisam se apropriar da tecnologia. Não há por que usar novos recursos para reproduzir o tradicional."
A Secretaria oferece capacitação tecnológica para os educadores da rede
municipal e os gestores fazem o acompanhamento virtual de desempenho e
freqüência dos alunos. "Os professores também são motivados a trabalhar
com blogs educativos. A Escola Padre Fiorente Elena, por exemplo,
publica
produções de rádio na internet."
Na mesma linha de interatividade, o Instituto Ayrton Senna criou o
portal www.escolaconectada.org.br, no qual os internautas podem debater
temas pertinentes à Educação, trocar experiências e criar blogs. Foi o
que fez Dagmar Lourena, da EM Prof. Auxiliadora Paiva, em Araxá, a 374
quilômetros de Belo Horizonte. No
blog, ela posta seus projetos pedagógicos e tem um espaço de interatividade com os alunos, que também são motivados a escrever.
O instituto também desenvolveu o Sistema Ayrton Senna de Informações,
uma ferramenta de gestão que permite acompanhar o desempenho de cada um
do 1,5 milhão de estudantes que participam de seus programas em todo o
país. "Acompanhamos dez indicadores, como lição de casa, número de
livros lidos, freqüência de alunos e professores, alfabetização na 1ª
série, aprovação e cumprimento dos 200 dias letivos de aula. Isso ajuda a
prevenir e antecipar problemas", explica a diretoraexecutiva Margareth
Goldemberg. Se alguém falta, por exemplo, a equipe do instituto entra em
contato com a família ou a escola para ver o que está acontecendo.
As possibilidades são ilimitadas, mas Léa Fagundes é taxativa: "Não há
por que usar novos recursos para reproduzir o tradicional". Mais do que
adquirir máquinas, o importante é fazê-las funcionar como uma alavanca
para desenvolver novas maneiras de aprendizagem.
Professor online
Todo professor hoje sabe que a internet é uma importante ferramenta
de trabalho. Essa "ajuda" tecnológica não se restringe a páginas de
notícias e à possibilidade de realizar pesquisas sobre os mais variados
assuntos, mas também para encontrar materiais para fazer o planejamento
de suas aulas e trocar experiências com colegas.
NOVA ESCOLA
lançou no mês de maio uma área especialmente dedicada a profissionais
em busca de boas idéias de seqüências didáticas. A seção de planos de
aula oferece 400 opções de atividades com grande diversidade de temas,
desenvolvidas por consultores de todas as disciplinas e âmbitos para
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Além disso, o
professor tem acesso a vídeos com entrevistas de especialistas, registro
de atividades em sala e o passo-a-passo da construção de jogos
educativos e brinquedos, por exemplo. Há ainda o Ponto de Encontro, em
que o professor pode participar de comunidades virtuais e criar sua
própria, propondo discussões sobre a prática docente a usuários de todo o
Brasil.
Outra boa opção na rede é o
Portal do Professor,
do MEC, que oferece roteiros de aulas pré-desenvolvidas e também a
possibilidade de o internauta incluir seu plano de aula no site. Há
ainda a ferramenta
Moodle,
um software livre para a criação de comunidades virtuais em que se pode
participar de cursos online e fóruns, entre outros recursos. Não é
necessário fazer o download do programa, basta se cadastrar e acessar.
Neste site, pode-se acessar um tutorial de como usar a ferramenta.